PERFIL MÊS: FONOAUDIÓLOGA MARIA FLAVIA BONADIA BUENO DE MORAES

A garota sapeca, quarta filha do casal Maria do Carmo Moura e Valdemar, desde pequena, demonstrava que abraçaria alguma carreira em que envolvesse cuidados com comunicação.


09/06/2014

"Vivi numa casa cheia de gente - éramos cinco filhos com idades bem diferentes. Os três mais velhos tinham até doze anos de diferença das duas menores e eu sou uma delas. Minha irmã mais velha, Maria Silvia, brincava de me ensinar a escrever, tanto que entrei no pré primário já bem adiantada. E, pelo caminho os irmãos Luiz Roberto ou Luiz Fernando - eram eles quem nos levavam à escola -, sempre avisavam : 'Não precisam apanhar todas as flores do caminho para levar para a professora'. Mas não adiantava muito. Sempre eu e minha irmã, Maria Ruth, parávamos para pegar as flores ao nosso alcance. Era o nosso jeito em deixar as nossas professoras felizes", diz Maria Flavia Bonadia, que já trabalha há quase 32 anos no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de São Paulo.
A infância foi muito alegre, com muitas brincadeiras e parceria com a irmã mais nova, cuja diferença de idade é de um ano e dez meses. "Brincávamos de montar castelos vindos na revista Recreio, recortando roupas para as nossas bonecas de papel e fazendo colagens, o que acredito que fez que tivéssemos uma boa habilidade manual. E minha mãe incentivava a união entre nós duas. Costurava roupas iguais para as mais novas. Assim, quando saíamos, alguém sempre dizia - 'Que lindas gêmeas!' - e não éramos. Éramos - e somos - parceiras até hoje!", diz.
E sua casa era cheia de amigos. "Meus irmãos mais velhos traziam seus amigos e a nossa casa sempre tinha muito adolescentes. Às manhãs dos domingos, eram muito musicais, com a vitrola tocando Beatles e discos da Jovem Guarda", lembra a fonoaudióloga.
Flavia Bonadia iniciou seus estudos no Externato Santa Rita de Cássia e, depois, foi para a Escola Estadual Rui Bloem que, por três anos, foi considerada uma das melhores escolas de ensino público do Estado de São Paulo pelo ENEM. "Tive a sorte de estudar no ginásio com uma estrutura de escola moderna, que criou um sistema de ensino que dava muito certo. As aulas aconteciam em Salas Temas. Íamos para a Sala de Geografia, Sala de Português, Sala de Matemática, etc. Os professores não mudavam de sala em sala. Eram os alunos quem se deslocavam para aprender. E isso provocava uma reação boa, principalmente, porque havia laboratórios nas salas de Biologia, Química, Física para compreendermos o que estudávamos", continua Flavia.
Foi no início do colegial - atualmente, Ensino Médio - que resolveu ser fonoaudióloga. "Assisti O Milagre de Anne Sulivan, um filme com Anne Bancroft, uma história que mostrava como esta mulher que conseguiu desenvolver a comunicação de Helen Keller, uma menina surda e cega. Antes desta professora, Helen vivia presa em um assustador e solitário mundo de silêncio e escuridão desde os quatro anos de vida, onde a família não sabia lidar com as suas deficiências. E como foi linda a descoberta da comunicação para todos. Um exemplo de dedicação da professora que encontrou o caminho certo para isso. Desde então sabia que a minha profissão teria que ser próxima ao que eu tinha assistido", comentou.

Campinas e HC
Depois de um ano de cursinho, Flavia entrou na PUCCamp - Pontifícia Universidade Católica de Campinas e mudou-se para lá para estudar. Lá fez amizade com Laura Garcia e não imaginava que essa amizade se estenderia tanto. "Depois do primeiro ano em Campinas, nos transferimos para a PUC de São Paulo e concluímos o curso em 1981, ano do reconhecimento da profissão de Fonoaudiólogo. No início de 1982, Laura já estava trabalhando no HC - Divisão de Reabilitação Profissional de Vergueiro (DRPV)- e seis meses depois, avisou-me que havia aberto um concurso no Hospital das Clínicas para fonoaudióloga no Instituto de Ortopedia e Traumatologia (IOT), para que fosse aberto o Setor Fonoaudiologia. Me inscrevi e passei. Em 1983, iniciei meu trabalho também na DRPV, uma experiência profissional enriquecedora. Em 1988, voltamos para o Instituto Central do Hospital das Clínicas (ICHC). Começamos a trabalhar juntas desde a Vergueiro e todo o crescimento profissional veio junto também. E passa disso. Somos comadres. Eu e meu marido batizamos o filho dela, Bruno e, ela e Paulino, batizaram o meu, Guilherme", conta.
Flavia passou vários os setores de fonoaudiologia. "Trabalhei em vários ambulatórios dentro da Divisão de Clínica de Otorrinolaringologia, desde a área de Linguagem/Fala, passando pela Adaptação de Próteses Auditivas, Reabilitação da Paralisia Facial, Reabilitação Vestibular, além de onde estou hoje, o Ambulatório de Audiologia Clínica", lembra a fonoaudióloga.
Com tudo o que havia aprendido, houve um aprimoramento com interligações de todos esses conhecimentos. Segundo ela, foi um preparo para trabalhar no setor de Audiologia. "Hoje, a Audiologia é muito mais valorizada. Ela ajuda no diagnóstico de pacientes que passarão por tratamento ou cirurgia auditiva e, através de exames é possível mensurar a acuidade auditiva em crianças e adultos, ou fazer observação e análise auditiva comportamental dos pacientes. Também participo das discussões dos casos para auxiliar o otorrinolaringologista a fazer o diagnóstico e prognósticos dos casos", diz.
Dentro da área escolhida pela fonoaudióloga, há muito trabalho a fazer - e estudo para complementá-lo. "Falo sobre os Distúrbios de Processamento Auditivo. Existem pacientes que possuem audição normal e se comportam como se não estivem ouvindo direito. Então, depois de testes específicos, com os dados devidamente coletados e analisados, encaminhamos para o tratamento mais adequado além de orientação familiar/escolar, a fim de acompanhar a sua melhora no convívio familiar, escolar e social", comenta.
Com uma rotina de trabalho de dez horas por dia, entre o HC e o consultório, Flavia Bonadia não deixa a vida familiar de lado. "Conheci meu marido, Marcos Antônio Andrião Bueno de Moraes, aos dezessete anos e vamos completar 29 anos de casados nesse ano. Temos um filho, Guilherme, que estuda Medicina, na Faculdade de Medicina do ABC, com 24 anos de idade, e nossa vida familiar é muito rica. Meu filho tem uma banda de rock e ensaia todos os finais de semana, em casa. Chama-se 'Arquiduque Dinamite'. Eu até o ajudei no início, como vocalista, com técnicas de impostação de voz. E, como é importante nosso apoio nos estudos mas também no lazer, acompanhamos as suas apresentações sempre que possível", diz ela.
Em casa, ainda tem tempo para bordar, fazer bijuteria - um de seus hobbies -, jardinagem e não abre mãe de uma boa leitura. "Sou muito ativa. Não me vejo parando para me aposentar. E, sempre, tem novidade no trabalho. Agora, acompanho tudo que posso em relação ao implante coclear. Esse é um assunto que me interessa muito", continua a fonoaudióloga.
E finaliza: "O Hospital das Clínicas enriquece quem trabalha nele. Cada dia é um aprendizado diferente, tanto científico como humano. E os pacientes nos surpreendem de todas as maneiras. Outro dia, quando pensava que nada mais aconteceria de diferente, uma paciente me causou espanto. Trouxe, escondida, numa sacola - e embrulhada com um mini cobertor - uma cachorrinha com dias de vida que tinha ficado com pena de deixar sozinha em casa. Apesar dela não ouvir direito, as reclamações do bichinho ela ouviu bem!".