Com 15 dias, voltei no colo de minha mãe e ela dizia que quando entrou na casa, sua primeira providência foi colocar lenha no fogão, acender o fogo e colocar água para ferver, para depois pensar o que fazer", conta Heloísa.
A família, então, mudou-se para Tibiriçá, uma vila próxima à fazenda, facilitando a ida da mãe a Bauru, onde lecionava e pegava o trem no fundo de casa, diariamente, para trabalhar. A pequena Heloísa ficava com o pai que a levava para vistoriar a fazenda andando a cavalo sem sela. E tinha uma pajem, Luíza, que ficava com ela nos dias que ficava em casa. "Além do meu cachorro, o Jeepe, convivia com macaco, cobra, galo, galinha e até um veadinho, fazendo com que gostasse, sem medo, de todos eles. Era muito bom", diz ela.
Com 5 anos, a família mudou-se para Campinas e ficou a saudade da Luíza, a pajem e amiga de infância. "Fui estudar no Grupo Escolar Francisco Glicério e minha mãe foi a minha primeira professora. E apesar de ser filha única, nunca meus pais me prenderam em casa. Nossa vizinha da frente tinha uma filha, Ana Maria, e brincávamos ela, eu e seus irmãos durante o dia inteiro. Essa liberdade que meus pais me davam em criar amigos, trago comigo até hoje. Os que faço, nunca saem da minha vida", diz ela.
O ginásio foi feito no Colégio Progresso, cuja disciplina em excesso, foi o divisor de águas na vida escolar de Heloísa. "Eu não gostava da rigidez da escola e meu boletim vinha com anotações de que eu tinha passado cola às minhas colegas de classe, pulado o muro para ir ao clube que frequentávamos e meu pai não só não me castigava como achava muita graça. Quando chegou o momento de fazer o científico - atual ensino médio -, pedi a meus pais para escolher a escola. E fui para o Atheneu Paulista, uma escola que compreendia a adolescência. Ali, não havia necessidade de transgredir!", lembra a psicóloga.
Mudança para São Paulo
Aos 17 anos de idade, com o científico terminado, Heloísa veio para São Paulo. "Não era muito comum, nessa época, estudar em São Paulo e morar sozinha, então, era raro. Meus pais, mais uma vez, não tiveram nada contra e eu me inscrevi em dois vestibulares. Como passei no da PUC - Pontifícia Universidade Católica -, não prestei a USP e, pela primeira vez na vida, morando no pensionato Santa Marcelina, descobri jovens do Brasil inteiro e toda a diversidade cultural que traziam consigo. Convivi com alunas do Mato Grosso, Rio Grande do Sul, Paraná e, nos finais de semana, meu pai enchia o carro com as minhas amigas e íamos para Campinas passar o final de semana. Foi uma época muito rica", continua Heloísa.
Logo no início da faculdade, trabalhava para ter o próprio dinheiro e poder minimizar as despesas. A primeira atividade foi na USP, como Auxiliar de Pesquisa. Depois estagiou na Phillips, e na Estrada de Ferro Paulista, sempre no Departamento Pessoal. Para o Hospital das Clínicas veio no 3º ano da PUC, na Higiene Mental, com a supervisão da Dra. Dulce Marcondes, na ocasião casada com o Professor Eduardo Marcondes, titular da Pediatria. Lá trabalhavam a psicóloga Tereza Stangherling, a psiquiatra Cecília Guerra e a assistente social Cecília Briquet, de quem foi amiga por muitos anos. Também era compradora da loja dos pais, a famosa Dina Boutique.
Concluindo o curso de Psicologia, que excepcionalmente foi de seis anos, voltou ao HC, onde soube pela Dra. Dulce, que dois professores queriam psicólogos em seus quadros, um na Psiquiatria, outro na Otorrino. "Escolhi a ORL e fui a primeira psicóloga do Instituto Central do Hospital das Clínicas. Integrei o recém reorganizado Serviço de Foniatria, chefiado pelo Dr. Marco Elizabetsky, com Dr. Armando Aoki como foniatra e Dra. Irene Abramovich como neuropediatra", diz ela. Trabalhava junto às fonoaudiólogas Tereza, Maria Izabel Machado e Silvia Pedalini e era uma das pessoas que tinha a função de auxiliar crianças com distúrbio de linguagem.
Nessa época, o professor titular era o Dr. Lamartine Junqueira de Paiva e o diretor clínico, o professor Aroldo Miniti que a autorizava, quando necessário, no horário de trabalho, ir ao Saedes Sapientiae, aprender técnicas de psicomotricidade, adequando-se ao trabalho com pacientes com Distúrbios de Comunicação. Contavam também com a colaboração da pedagoga Rosa Barbuy, com a qual fez vários cursos e novidades para a época, como o Ramain, ministrado por professores franceses que vinham ao Brasil. Na época, buscava supervisão com seus professores da PUC, como Dra. Mathilde Neder, que já atuava no Instituto de Ortopedia, vindo da Reabilitação, a DRPV. Também ia ao Derdic, ter orientação com a psicóloga Tessy Overmeer para a aplicação de testes e avaliar pacientes com problemas auditivos. Esse trabalho todo foi feito a partir de 1969. Em 1970, prestou concurso e trabalhou por 17 anos no Departamento de Serviço Médico do Serviço Civil do Estado, o DMSCSP, agora denominado Serviço Público de Perícias Médicas, o SPPM. De onde saiu em função da mudança da lei, no Governo Orestes Quércia, não permitindo ter dois cargos públicos.
No HC, o Grupo de Foniatria atendia às quartas feiras, e a psicóloga avaliava as crianças com problemas de fala e de aprendizagem da leitura e escrita, alguns poucos claramente disléxicos, do ponto de vista psicopedagógico, reabilitando-as nos grupos de Terapia Psicomotora e Realfabetização, ou Psicopedagogia. "Tivemos também grupos de teatro, com a colaboração da fonoaudióloga M. Izabel Machado, onde as crianças adoravam participar. Todos saíram recuperados de suas dificuldades e alfabetizadas, sucesso esse que atribuo mais ao afeto que circulava no grupo. Já trabalham conosco também as fonoaudiólogas Laura e Flávia", lembra ela
Ministrou, ainda, aulas no Curso de Fonoaudiologia, na Faculdade de Medicina da USP. E começou a atender outras patologias com evidentes componentes emocionais, como os disfônicos, que estavam em terapia fonoaudiológica com Lúcia Cleto. "Levamos nossa experiência aos congressos internacionais. Trabalhei, a pedido da Dra. Tanit Ganz, com o Grupo de Zumbido e Dr. Perboire também solicitava nossa atenção ao seu grupo de Correção Facial. Os casos de enfermaria também recebiam atenção, e assim o trabalho foi se estendendo a toda à clínica", diz Heloisa.
Psicologia no Instituto Central
Em 1983, foi criada a Unidade de Psicologia, pela Dra. Mathilde Neder, solicitação feita pela Superintendência, pois o Instituto Central já contava com oito psicólogas distribuídas nas Divisões de Clínicas Médicas e Cirúrgicas, como Gastro, Uro, Gineco e Neurologia. Alguns foram contratados por intermédio do Governador Dr. Paulo Maluf. Em 15/3/1987, a Unidade passou a ser a Divisão de Psicologia, pelo decreto 26904, do governador Franco Montoro e Heloísa foi empossada como diretora de um serviço que supervisionava os atendimentos das psicólogas no Pronto Socorro e UTIs do Instituto Central, chamado Serviço Central de Atendimento Psicológico.
"Permaneci nessa função até 1998 e durante esse período, determinamos que as quatro vagas, originalmente criadas na ORL para psicólogos fossem preenchidas e designamos as concursadas Mariângela de Oliveira K. Bracco, Ana Paula Formigoni, Alice Guedes dos Santos e Arlete Modelli. A Unidade de Psicologia, pela Fundap, teve mais de 30 estagiários distribuídos nas diversas Divisões de Clínica. A partir da criação da Divisão, foram outros 50 bolsistas contratados, os aprimorandos, contratados pela CAP (Coordenação de Aprimoramento). Hoje são 30 psicólogos, além de aprimorandos, distribuídos no Instituto Central, estando na ORL Rosa Maria Rodrigues Santos", comenta.
Em 1988, participou, na ORL, da elaboração do Projeto de Implante Coclear, referente à participação do psicólogo. "Eu e Valéria Goffi-Gomez fomos a Los Angeles, aprendermos com Dr. Jack Pulleck como funcionava o IC e como atender o paciente no pré e pós IC nos seus vários aspectos e necessidades. No Willian House, observamos o atendimento do psicólogo e, no John Tracy Clinic, aprendemos muito sobre surdez, partilhando a vivência ricamente desenvolvida ao atendimento das crianças surdas e suas famílias, onde fizemos vínculos com a audiologista e a psicóloga. Em 1990, comecei a atender os pacientes candidatos ao implante, que, paulatinamente foram aumentando até os mais de 1000 casos operados que temos hoje", diz ela.
Em 2005, Heloísa desligou-se do Hospital das Clínicas. "Continuo atendendo esse Grupo, na Fundação Otorrino. Passei a publicar artigos na revista International Archives of Otorhinolaryngology e na Revista Espaço, do INES, junto com a Fga. Valéria Goffi-Gomes, Fga. Cristina Ornelas Peralta, a psicóloga Carla Rigamonti, Dra. Ana Teresa Magalhães, Prof. Dr. Ricardo Ferreira Bento, Prof. Dr. Rubens Brito e Prof. Dr. Robinson Koji Tsuji. O primeiro deles, ainda no HC, com a colaboração da bolsista Cibely Pedroso Zenari, em 2004', continua a psicóloga.
Na Fundação Otorrino, além de atender no Grupo De Implante Coclear, Heloísa Romeiro Naralla ministra aulas nos nossos mais diversos cursos, escreve artigos, faz pesquisas e participa de congressos. "Emociono-me muito com o contato com os pacientes, suas famílias e com os profissionais do grupo. Somos coesos e muito interessados no trabalho, liderados pelo Prof. Ricardo F. Bento que, além de criativo e incentivador, agrega valores ao trabalho que realizamos. Vale lembrar que notifica todas as nossas contribuições, valorizando a equipe. A ORL é uma clínica que evolui com resultados importantes, só trabalhando com o progresso do paciente. E, olha, quando comecei no HC, éramos cinco mulheres em toda a ORL - duas médicas, duas fonoaudiólogas e eu. Hoje, acho que os sexos se dividem igualmente se não for maior o número de mulheres. Vivenciei muitas mudanças sociais no nosso país. E sempre me posicionei à frente do meu tempo", diz.
E finaliza: "Trabalho bastante e gosto muito do que faço. Mas nunca deixei pra trás minha vida pessoal. Amo viajar, conhecer outros povos e costumes. Falando em viajar lembrei-me de Buenos Aires, cidade que todos gostamos e onde participo dos Congressos de Surdez e Saúde Mental, presidido pela psicóloga Marta Schorn, de quem já me sinto próxima. Também me cuido, faço ginástica diariamente, leio dois jornais, gosto de ler nossos articulistas e romancistas. E sinto que bebo na fonte da juventude convivendo com jovens. Essa sociabilidade e integração fazem parte do sucesso da vida".
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